POVOS E NAÇÕES

A Grécia e o Mundo Bíblico — Daniel 8:21

Embora Israel não tivesse relação direta com o mundo grego por muitos séculos desde o seu assentamento em Canaã, as correntes sociais, econômicas e políticas do mundo grego influenciaram o povo de Deus de maneiras mais sutis por meio do comércio e outros contatos com o Antigo Oriente Próximo. Alguns desses fatores até favoreceram o crescimento do cristianismo.

De acordo com a Bíblia, as origens da Grécia remontam ao neto de Noé, Javã, filho de Jafé (Gn 10:2, 4). As Escrituras parecem se referir ao mundo grego como as "ilhas" ou "costas" (Sl 72:10; Ez 27:7, 15; Et 10:1). A arqueologia descobriu, nas tumbas tebanas, pinturas egípcias que retratam os egeus, uma indicação de suas extensas redes comerciais. Os egípcios também se referiam ao mundo grego como "as ilhas no meio dos Grandes Verdes". O livro de Daniel apresenta o Império Greco-Macedônio tomando o poder do Império Persa apenas para ser posteriormente destronado por Roma (Dn 2:39, 40; 7:6, 7, 17; 8:3-9, 20-23).

O mundo grego tem uma longa história. O crescente desenvolvimento e influência da agricultura à medida que se espalhou da Anatólia nos milênios anteriores tornou o culto das deusas-mães dominante até cerca de 1950 a.C. Os agricultores colocaram estatuetas neolíticas de Vênus nos campos e perto de rebanhos para promover a fertilidade.

Por volta de 1950 a.C., as divindades masculinas começaram a ter precedência, mas os muitos temas das religiões da fertilidade continuaram. Os arqueólogos encontraram uma cena de sacrifício pintada em um sarcófago de calcário, em uma tumba em Hagia Triada (Creta). Fome, guerras e desastres naturais induziram muitas pessoas do continente grego e das ilhas a migrar para o sul, para a Palestina e o Egito. Os filisteus, com quem Israel teve que lutar por tantos séculos, eram um desses grupos.

A ideia de cidade autônoma (a polis) começou a se desenvolver no mundo grego. Os cultos públicos e o culto aos heróis se intensificaram. As competições esportivas em homenagem aos deuses datam de 776 a.C. Oráculos ou lugares onde as pessoas podiam consultar os deuses estavam aumentando, especialmente em Delfos. Os teatros prosperavam, encenando tragédias, comédias e dramas satíricos, todos imbuídos de elementos religiosos. A literatura estava igualmente imersa na religião quando Homero (A Ilíada e A Odisseia) e Hesíodo (Teogonia e Trabalhos e Dias) escreveram suas obras mais influentes. A arte serviu à religião construindo templos para os deuses e retratando temas religiosos por meio de esculturas e pinturas em cerâmica. A filosofia apareceu com os primeiros grandes pensadores, os pré-socráticos.

As duas vitórias da Grécia sobre o Império Persa preservaram a democracia e permitiram o seu desenvolvimento. A cidade de Atenas desempenhou um papel proeminente na derrota dos persas. As guerras desastrosas contra os gregos podem ter sido o pano de fundo de alguns dos eventos do livro de Ester. Os banquetes descritos nesse livro podem ter sido a tentativa do rei persa de distrair a nação do seu fracasso em reprimir as revoltas gregas. Na própria Grécia, como resultado da guerra fratricida no Peloponeso, os ensinamentos dos sofistas começaram a minar as crenças tradicionais nos deuses, incentivando o racionalismo e a filosofia.

O período de dominação macedônia sobre todo o mundo grego levou a mais anos de guerra contra os persas, depois entre os herdeiros do império de Alexandre e depois contra Roma, que estava se expandindo. Cada vez mais, uma sensação de mal-estar fomentou a instabilidade social e o questionamento religioso. Os cultos religiosos gregos falharam cada vez mais em atender às necessidades de adoradores individuais. As religiões orientais, que enfatizavam a salvação eterna e uma relação individual entre a divindade e os fiéis, tornaram-se atraentes para os gregos. Para melhor honrar o deus que escolheram, os fiéis se uniam em associações nas quais podiam se sentir irmãos. Tais irmandades uniam homens e mulheres, adultos e crianças, pessoas livres e escravos. Minimizavam as diferenças sociais, porque os seus membros estavam unidos no culto da divindade particular que tinham escolhido (cf. Gl 3:28; Rm 10:12). Tais conceitos preparariam a cultura grega para a mensagem cristã.

A história do mundo grego se cruza mais diretamente com a de Israel pela primeira vez durante a conquista da Palestina por Alexandre, o Grande. Os seus generais dividiram o império após morte dele e lutaram entre si pelo controle do território. A Palestina estava sob o domínio dos Ptolomeus no início e depois dos selêucidas. Esses conflitos são profetizados em Daniel 11 e narrados nos livros dos Macabeus. A cultura grega que Alexandre havia espalhado, comumente conhecida como helenismo, moldou e ameaçou a identidade dos judeus da Palestina e mais tarde afetou o cristianismo nascente.

Alguns dos apóstolos de Jesus tinham nomes gregos, como Filipe e André (Mt 10:2). Alguns gregos que tinham ido a Jerusalém pediram para ver Jesus. Eles se aproximaram de Filipe, que falou com André, e juntos os levaram até Jesus (Jo 12:20-23). Quando o Espírito Santo desceu no Pentecostes, havia judeus de língua grega entre os primeiros convertidos (At 2:11). Enquanto a igreja lutava com os problemas criados por seu rápido crescimento, os apóstolos escolheram um grupo de 7 homens, todos helenistas com nomes de origem grega, e os designaram para distribuir comida aos primeiros crentes (At 6:1-7). Os gregos conheciam as associações, tinham experiência na realização de reuniões religiosas e na organização de ajuda mútua. Durante as suas primeiras viagens missionárias, Paulo estabeleceu as primeiras igrejas no mundo cultural grego (At 14:1, 17:4, 19:17) e encorajou a comunhão cristã entre judeus e gregos por meio de uma coleta para os pobres de Jerusalém (Rm 15:25-31; 1Co 16:1-4; 2Co 8:1–9: 15; Gl 2:10).

Cline, The Oxford Handbook of the Bronze Age Aegean.

Amouretti e Ruzé, Le monde grec antique.