EVENTOS HISTÓRICOS
"Investigação sobre Jesus" é um termo que muitas pessoas usam, é o que os estudiosos costumam se referir como a terceira busca pelo Jesus histórico. Começando por volta de 1985 e seguindo dois movimentos acadêmicos anteriores centralizados no Jesus histórico, representa um esforço acadêmico para conduzir um estudo mais científico e historiográfico de Jesus dentro do contexto judaico da Sua vida e do Seu ministério e à luz de todos os dados relevantes possíveis, como arqueologia e fontes documentais primárias.
Como consequência do ceticismo intelectual do Iluminismo no mundo ocidental, tanto a "velha busca" (1774-1906) quanto a "nova busca" (1953-1970) refletiram várias preocupações filosóficas. O racionalismo radical que considerava a razão como a única prova da verdade levou gerações de estudiosos a supor que o registro bíblico de Jesus não era confiável. Levou-os a rejeitar de modo especial os elementos sobrenaturais dos evangelhos, como os milagres de Jesus, atribuindo-os a causas desconhecidas ou observações errôneas, ou considerando-os meras representações de verdades espirituais.
No primeiro caso, a alimentação dos 5 mil, por exemplo, realmente ocorreu quando, impressionados com a generosidade da criança, outros na multidão decidiram compartilhar as provisões que haviam trazido consigo. A segunda visão sustenta que a história não pretendia relatar o que Jesus realmente fez em um determinado dia, mas afirmar que Ele é "o Pão da vida" que sempre alimenta os Seus seguidores com alimento espiritual. Uma abordagem ainda mais radical considerou que a maior parte do conteúdo dos evangelhos foi fabricada ou severamente distorcida para fins apologéticos, uma vez que as histórias de Jesus foram contadas e recontadas no fim do primeiro ou início do segundo séculos. Os proponentes dessa visão argumentaram que, como as mudanças resultantes foram tão difundidas, não poderíamos saber mais nada sobre o verdadeiro Jesus além de que Ele existiu e foi crucificado. Em outras palavras, a igreja primitiva estaria mais preocupada em idealizar um Cristo que pudesse mais tarde usar como evidência de suas crenças ("o Cristo da fé"), mesmo que fosse mitológico, do que em se interessar pelo verdadeiro Jesus de Nazaré ("o Jesus histórico").
A "terceira busca" (ou seja, a investigação sobre Jesus), por outro lado, mudou completamente o foco (e o método de investigação). Liderado por uma ampla variedade de especialistas, sejam cristãos ou judeus, católicos ou protestantes, liberais ou conservadores, não segue nenhuma agenda filosófica per se, mas emprega um amplo espectro de evidências históricas em sua tentativa de fornecer uma compreensão mais clara sobre Jesus dentro de seu contexto judaico do primeiro século. O ceticismo antigo deu lugar a uma atitude mais positiva em relação aos relatos do evangelho e outras referências do Novo Testamento a Jesus.
A ênfase, portanto, mudou de tentar explicar a falta de autenticidade para tentar verificar a autenticidade. Pela primeira vez, o estudo de Jesus envolveu uma investigação mais historiográfica, o uso de novas metodologias (sociológicas, antropológicas, etc.) e um exame sistemático da arqueologia, geografia e literatura antiga. O resultado é que, em comparação com pesquisas anteriores, um número crescente de estudiosos agora leva muito mais em consideração o material sinótico - isto é, o material encontrado em Mateus, Marcos e Lucas - autêntico, embora alguns ainda olhem para o evangelho de João com reservas.
Isso não quer dizer que a pesquisa sobre Jesus tenha chegado a um consenso ou que suas conclusões, embora se refiram apenas aos evangelhos sinóticos, possam ser rotuladas como fundamentalmente conservadoras. De fato, enquanto numerosos estudos demonstraram um respeito renovado pela natureza histórica da vida e do ministério de Jesus, incluindo sua consciência messiânica, outros defenderam apenas uma quantidade moderada de historicidade. Ainda assim, os estudiosos começaram a rejeitar algumas suposições populares por trás de tentativas anteriores de encontrar o Jesus histórico, incluindo as premissas de que (1) a tradição oral não é confiável e que nenhum dos evangelistas teve acesso a relatos confiáveis de testemunhas; (2) que os evangelhos são documentos teológicos, e não históricos; (3) que a igreja primitiva estava mais preocupada com a teologia do que com a história; (4) que a tradição do evangelho consiste em diferentes níveis separáveis de escrita; (5) que fontes não canônicas, especialmente aquelas com uma perspectiva gnóstica (como o evangelho de Tomé do segundo século), são tão relevantes quanto os documentos do Novo Testamento na reconstrução da vida e dos ensinamentos de Jesus; (6) que as narrativas contendo citações e alusões do Antigo Testamento são necessariamente produtos tardios da reflexão da igreja primitiva e (7) que sempre que os evangelhos canônicos diferem uns dos outros, devemos escolher apenas um como válido ou até, talvez, questionar ambos os relatos.
Ao eliminar essas suposições injustificadas, a erudição começou a estreitar o abismo que os estudiosos anteriores haviam criado entre o Cristo da fé e o Jesus histórico. De fato, independentemente de sua orientação teológica, seja liberal ou conservadora, a maioria dos estudiosos parece concordar que é possível e necessário investigar o Jesus histórico sem recorrer ao conceito de Cristo da fé, ou seja, por meio de metodologias históricas mais rigorosas.
Várias outras questões importantes continuam a moldar a busca pelo Jesus histórico, como quais critérios devem ser usados para provar a autenticidade dos ditos e ações de Jesus, como devemos empregar esses critérios, qual é o suposto contexto sociorreligioso do ministério de Jesus e qual é a natureza precisa da Sua mensagem sobre o reino de Deus. De longe, a questão mais controversa, porém, são os milagres registrados nos evangelhos, cuja historicidade é frequentemente negada por muitos sob a suposição de que apenas leis e forças naturais operam no mundo. Milagres são, por definição, violações dessas leis, então eles não poderiam acontecer. O problema com essa afirmação é que ela usa as leis da natureza para explicar a causalidade. No entanto, o sistema natural só regula os efeitos quando ocorre a ação causal. Ou seja, tem a ver apenas com o processo, não com o que o desencadeia. É também um sistema aberto em vez de fechado (inviolável).
A qualquer momento, causas inesperadas podem interromper um processo e levar a resultados diferentes. Se alguém deixar cair um vaso de porcelana, por exemplo, a lei da gravidade diz que ele cairá e quebrará. Contudo, se outra pessoa segurá-lo antes que ele atinja o solo, o vaso permanecerá intacto. Milagres são, portanto, momentos em que uma causa sobrenatural (Deus) intervém repentinamente no curso natural dos acontecimentos, causando uma reviravolta surpreendente, mas dentro dos limites da normalidade.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com aqueles que foram curados por Jesus milagrosamente. Na maioria dos casos, suas vidas mudaram significativamente após a cura, mas eles ainda morreram. Quanto à suposta impossibilidade de uma intervenção externa no sistema natural, devemos ter em mente que isso nada mais é do que uma hipótese baseada na percepção humana da realidade. À medida que a ciência progrediu, muito do que antes era considerado impossível foi drasticamente modificado e revisado, o que implica que o escopo da realidade é muito mais amplo do que aquilo que pode ser percebido ou medido e que muito do que acontece no Universo está além de nossa compreensão atual.
Uma dificuldade crucial com os milagres é que eles são eventos únicos e, como tal, não estão sujeitos à investigação científica, cujas conclusões dependem da observação e, especialmente, da repetibilidade. A ciência é boa em investigar fenômenos repetíveis (ou reproduzíveis), mas não está bem equipada para responder a perguntas sobre eventos únicos. Como resultado, o cientista nunca será capaz de refutar os milagres de Jesus. Ao mesmo tempo, o papel do historiador não é presumir o que pode ou não acontecer, mas descobrir o que aconteceu com base nas evidências disponíveis. Portanto, se pudermos provar que os evangelhos são documentos históricos críveis e confiáveis, então devemos levar a sério suas afirmações sobre Jesus e os Seus milagres. As evidências disponíveis apoiam o caso da antiguidade geral e confiabilidade dos evangelhos.
O ministério de Jesus durou de 27 a 31 d. C. Os estudiosos tradicionalmente datam os evangelhos da seguinte forma: Marcos, aparentemente o primeiro a ser escrito, por volta de 60 d.C. Com Lucas e Mateus, nessa ordem, entre a composição de Marcos e a destruição de Jerusalém em 70 d.C. e João, o último, por volta de 90 d. C. Portanto, acredita-se que todos os evangelhos foram escritos antes do fim do primeiro século. O mesmo é verdade para os outros livros do Novo Testamento, uma vez que a maioria foi concluída entre 20 e 40 anos após a ascensão de Jesus. Apenas os escritos joaninos (os evangelhos de João 1-3; João e Apocalipse) foram escritos por volta da última década do primeiro século, uma conclusão apoiada por uma série de evidências internas e externas.
Evidência interna. Os 3 evangelhos sinóticos relatam a profecia de Jesus sobre a destruição de Jerusalém (Mt 24:1-51; Mc 13:1-37; Lc 21:5-36), que ocorreu em 70 d. C. Todavia, nenhum deles menciona o cumprimento da profecia. Considerando a centralidade do Templo na religião judaica e o papel de Jerusalém no ministério de Jesus e na igreja primitiva, esse silêncio é incompreensível, a menos que esses evangelhos tenham sido escritos antes de 70 d. C. No livro de Atos, o Templo continua a ser central para o judaísmo e, até certo ponto, também para o cristianismo, sugerindo que Lucas também tenha completado esse livro antes da destruição de Jerusalém. O último evento registrado em Atos é o fim da primeira prisão de Paulo em Roma em 62 d. C. (At 28:30, 31). Não faz menção à segunda prisão romana ou à execução do apóstolo 5 anos depois (67 d.C.), isso indica uma data anterior à sua morte para a escrita de Atos.
Uma vez que o evangelho de Lucas foi escrito antes de Atos (At 1:1; cf. Lc 1:1-4) e Marcos antes de Lucas, deve ter sido escrito antes de Atos. O livro de João foi escrito muito mais tarde. Refere-se claramente à morte de Pedro por crucificação em 67 d. C. como um evento passado (Jo 21:18, 19) e o boato de que o discípulo amado não morreria até que Jesus voltasse (v. 20-23) parece exigir que algum tempo tenha decorrido desde o martírio de Pedro. Uma vez que evidências externas (ver abaixo) impedem João de ter escrito após o fim do primeiro século, a data tradicional para a sua escrita parece justificada.
Evidência externa. Os escritos dos pais da igreja fazem várias alusões e referências aos evangelhos já no fim do primeiro século e início do segundo século, incluindo Clemente de Roma (96 d.C.); Inácio, bispo de Antioquia (109 d.C.); Papias, bispo de Hierápolis (cerca de 110 d.C.; Policarpo, bispo de Esmirna (cerca de 120 d.C.); e Justino Mártir (150 d. C.). De acordo com Irineu (170 d.C)., Policarpo era discípulo de João, e Papias afirma ter recebido instruções de pessoas que estiveram com os apóstolos. Tudo isso indica que, no fim do primeiro século, os evangelhos já eram conhecidos em diferentes áreas do mundo cristão e eram considerados documentos confiáveis sobre a vida e os ensinamentos de Jesus. Além disso, a presença de tradição oral e reminiscências pessoais até meados do segundo século negam fortemente qualquer lacuna entre Jesus e os evangelhos que possa justificar qualquer suposta falta de historicidade.
A descoberta no Egito do Papiro Rylands (P25), um pequeno fragmento contendo partes do evangelho de João, datava de cerca de 25 d.C., corrobora ainda mais a antiguidade e a ampla circulação dos evangelhos. Nenhum deles, nem mesmo João, poderia ter sido escrito depois do primeiro século, o que coloca a obra ainda dentro da vida das testemunhas dos eventos que descrevem. E não devemos ignorar o papel dessas testemunhas. Sua presença funcionou como um mecanismo de controle não apenas da veracidade do conteúdo dos evangelhos mas também de sua aceitação no cânon e na vida da igreja.
O evangelho de João, o texto mais controverso do Novo Testamento por causa das afirmações sobre a divindade de Jesus e a natureza extraordinária dos Seus milagres, estava sujeito a tal controle desde o início (Jo 21:24, 25). Apesar desses eventos únicos, Jesus sempre realizou os milagres na presença de outras pessoas, às vezes milhares de pessoas, o que explica por que sua memória como milagreiro é preservada mesmo fora do Novo Testamento. Quanto à própria ressurreição de Jesus, o evento mais importante da Sua vida, mais de 500 pessoas foram capazes de atestar sua veracidade, e muitas delas ainda estavam vivas quando Paulo escreveu aos coríntios (1Co 15:3-8), cerca de 25 anos depois.
Além disso, a arqueologia identificou positivamente quase todas as referências geográficas e topográficas nos evangelhos, sugerindo uma tradição primitiva que remonta à primeira geração de cristãos. Devido à extensão da destruição de Jerusalém, apenas pessoas familiarizadas com a região antes da guerra teriam sido capazes de nos fornecer essas descrições precisas e detalhadas da cidade e dos seus arredores. No caso de Lucas, embora ele não fosse uma testemunha do ministério de Jesus, ele teve acesso a relatos em primeira mão (Lc 1:1-4) e provou ser um historiador muito meticuloso. Em Atos, ele nomeia 32 países, 54 cidades e 9 ilhas sem erro. Os marinheiros modernos confirmaram a precisão dos detalhes que cercam a viagem final de Paulo de Cesareia a Roma (At 27:1−28:16). Lucas refere-se aos títulos de funcionários do governo, procônsules e tetrarcas. Embora alguns sejam únicos, os estudiosos descobriram que eles são precisos. Tudo isso fala da confiabilidade do seu trabalho.
Finalmente, a descrição da vida e dos costumes judaicos, as tensões entre diferentes partidos religiosos e as complexidades políticas na Judeia do primeiro século estão em notável concordância com fontes extrabíblicas contemporâneas, como o historiador judeu Flávio Josefo, a literatura judaica do primeiro século e os Manuscritos do Mar Morto. Essa documentação cuidadosa demonstra que, para os escritores dos evangelhos, a precisão histórica e a confiabilidade devem apoiar a fé cristã.
A unanimidade das evidências manuscritas sobre a autoria apostólica (direta ou indireta) dos 4 evangelhos fornece mais evidências. É necessário um autor identificável e confiável para explicar o reconhecimento da autoridade dos documentos desde o início. Os manuscritos também atestam a precisão geral com que os escribas preservaram o texto dos evangelhos (e o Novo Testamento como um todo). Em suma, há uma quantidade razoável de evidências que apoiam a antiguidade e a confiabilidade histórica dos evangelhos e o movimento de "investigação de Jesus" gerou corretamente um diálogo renovado sobre Jesus Cristo como uma figura histórica. Embora ainda haja muito a ser feito, essa nova tentativa de estudar os evangelhos de acordo com suas próprias regras já produziu resultados significativos. Para aqueles que sempre tiveram os 4 evangelhos em alta consideração, tais resultados demonstram que os fundamentos da fé são muito mais fortes do que nunca.